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Se o plano era prosseguir com retaliações aos americanos, com que moral os iranianos reagirão agora, se não conseguem controlar nem o sistema de defesa do aeroporto de Teerã? Parte do Boeing 737 que caiu logo após a decolagem em Teerã, no Irã
Reprodução/Reuters
Foi provavelmente um erro trágico. Poucas horas depois do ataque iraniano a alvos americanos no Iraque anteontem, um sistema de defesa comprado dos russos para defender o aeroporto de Teerã dispara por acidente um míssil contra um avião que acabara de decolar rumo à Ucrânia, com 176 passageiros e tripulantes. Atingido, o avião tenta voltar ao aeroporto, mas cai antes. Todos a bordo morrem.
A vigiliância por satélite e outros mecanismos de inteligência comprovam o disparo do míssil, atribuído ao Irã pelos governos do Canadá, do Reino Unido e também pelos americanos. O Irã nega e, em virtude da escalada da tensão nos últimos dias, afirma que vetará à Boeing, empresa americana fabricante da aeronave, acesso aos destroços e à caixa-preta.
Canadá, país de onde vinham 63 das vítimas, e Ucrânia insistem em acompanhar as investigações e em envolver também a companhia aérea, cujos negócios sofrem o baque recente da série de acidentes provocados por falhas no projeto do modelo mais moderno, o 737-Max.
Eis que um acidente aéreo transforma aquilo que antes se desenhava como um conflito de potencial explosivo numa crise diplomática de outros contornos, bem mais definidos. Será que o míssil que provavelmente derrubou por acidente o Boeing da Ukraine International contribuirá para desviar o foco da guerra e desanuviar a tensão? Dependerá, acima de tudo, da reação do governo iraniano.
Se o plano era prosseguir com retaliações aos americanos pelo ataque que matou o general Qassem Soleimani na semana passada, a situação do Irã complicou. Com que moral será possível reagir se, ao que tudo indica, o regime dos aiatolás não consegue nem mesmo impedir que um sistema automático de defesa aérea atinja um avião civil?
O acidente lembra dois outros eventos semelhantes. O mais recente foi a queda do voo 17 da Malaysia Airlines em março de 2014, derrubado por um projétil disparado por separatistas pró-Rússia no território ucraniano de Donetsk. A tragédia matou 298 pessoas. O segundo foi a derrubada do voo 655 da Iran Air no Golfo Pérsico por dois mísseis americanos em 1988, matando 290 pessoas.
Nos dois casos, a guerra de versões foi incapaz de encobrir a verdade: voos comerciais se tornaram vítimas colaterais em guerras. Até hoje os separatistas leais aos russos negam responsabilidade no desastre de 2014 (circulam na Rússia as teorias mais mirabolantes para explicá-lo). Os americanos, em contrapartida, foram obrigados a reconhecer a própria culpa, num acordo fechado em 1996 para indenizar, com US$ 62 milhões, as famílias das vítimas da tragédia de 1988.
O presidente iraniano, Hassan Rouhani, citou os 290 mortos dias atrás, quando Donald Trump ameaçou atacar 52 alvos no Irã (referência aos 52 americanos mantidos reféns na embaixada em Teerã depois da revolução islâmica de 1979). “Aqueles que lembram o número 52 também devem lembrar o 290”, tuitou Rouhani.
O fato de Canadá e Ucrânia exigirem uma investigação internacional independente acabará por trazer inspetores ocidentais para perto das instalações de defesa iraniana. Estará aberto quase naturalmente um canal paralelo de negociações, por mais que em princípio limitado apenas a apurar a causa do desastre aéreo.
Paradoxalmente, o exemplo do passado poderá então ajudar a reduzir a tensão. Como poderão os iranianos negar aos envolvidos – principalmente Ucrânia e Cadadá – aquilo que eles mesmos exigiram dos americanos em 1988?

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