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Ela deteve o poder por trás do trono chinês por quase 50 anos, até morrer em 1908. Presidiu uma mudança monumental, mas foi difamada como tirana por décadas — até 1970, quando sua história foi resgatada. Cixí, a imperatriz viúva, controlou o poder na China por anos
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Por muitos anos, Cixí, a última mulher que liderou a China, foi retratada na história como uma tirana cruel.
Uma personagem que, depois de ascender rapidamente de concubina a imperatriz regente, conspirou e ordenou assassinatos para permanecer no trono por quase cinco décadas.
No entanto, Cixí também desempenhou um papel importante na modernização pela qual o país passou no início do século 20 — foram necessárias décadas para que seu legado recebecesse atenção.
O primeiro passo para isso foi dado por outra mulher, a historiadora sino-americana Sue Fawn Chung, a primeira acadêmica a rever a imagem da chamada imperatriz viúva.
“Ela foi descrita como uma governante autoritária e malvada, que supostamente teria assassinado seu filho e seu sobrinho. Foi considerada uma sanguinária que acabou com o domínio Manchu na China”, diz Chung em entrevista ao programa de rádio da BBC Witness History.
Mas o pouco que se sabia sobre Cixí vinha dos rumores e fofocas que percorreram a Cidade Proibida, o complexo de palácios em Pequim onde residiam os imperadores. Chung, estudante de doutorado na Universidade da Califórnia, decidiu realizar um estudo forense dos documentos originais, e que mudariam a visão estabelecida sobre Cixí.
De concubina a imperatriz
Cixí nasceu em 1835 em uma família manchu, o grupo étnico da Manchúria que, apesar de ser uma minoria, deteve o poder na China por quase três séculos durante a dinastia Qing.
Os manchu tinham uma cultura diferente dos han, o grupo étnico majoritário na China. Eles não adotavam, por exemplo, a prática de ataduras nos pés, uma tradição à qual muitas meninas foram submetidas para impedir o crescimento dos pés e que os deixava completamente deformados.
Cixí foi a única amante do imperador a lhe dar um filho homem e passou de concubina de baixo escalão a imperatriz
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“Os manchus permitiam que as mulheres ocupassem posições de poder em suas tribos. Já os chineses [hans] sempre sentiram que uma mulher deveria ser obediente ao pai durante a juventude, ao marido durante o casamento e ao filho no caso de se tornar uma viúva” diz Chung. “Este foi o mundo em que Cixí entrou.”
Aos 16 anos, Cixí, cujo pai trabalhava no governo, foi eleita concubina do imperador Xianfeng, quatro anos mais velho que ela.
Embora tenha sido classificada como uma concubina de baixo escalão, sua sorte mudou quando se tornou a única amante do imperador a dar à luz um homem.
Ao se tornar a mãe do futuro herdeiro do trono, passou a ser uma das favoritas de Xianfeng, que ouvia seus conselhos.
“O imperador com quem ela se casou era fraco. Ele gostava de Cixí e a achava inteligente, então permitiu que ela participasse dos debates na corte, onde se discutia como controlar a China naquele período de grandes mudanças.”
“E, acima de tudo, [se falava] sobre o que fazer com os ocidentais que estavam entrando no país para tentar vender ópio ao povo. O imperador tinha medo deles, e ela adotou uma postura mais decisiva e disse: ‘Temos que fazer algo a respeito’.”
“Então, enquanto esse grande debate acontecia na corte, o imperador morreu de repente, e seu filho, que ainda era menor de idade, se tornou o novo imperador”, explica Chung.
Xianfeng faleceu em 1931, com apenas 30 anos. Seu sucessor, Tongzhi, filho de Cixí, tinha apenas 5 anos.
O imperador havia designado uma equipe de oito homens para formar um conselho regente até Tongzhi atingir a maioridade.
Mas Cixí, em aliança com Ci’an, a principal esposa de Xianfeng, conseguiu derrubar os regentes, forçando até a morte de alguns deles.
Por trás dos biombos
Cixí e Ci’an se tornaram as regentes de Tongzhi — a primeira, a mulher “ouvindo atrás do biombo”. O protocolo da corte determinava que os ministros não deveriam vê-la, então uma tela a separava deles durante as reuniões.
“Esses regentes continuariam com as políticas de seu marido e do imperador anterior de manter as portas da China fechadas… O que seria desastroso”, disse à BBC em 2013 Jung Chang, autor da biografia Cixí, a Imperatriz: A Concubina que Criou a China Moderna.
“Naquela época havia uma segregação rigorosa entre homens e mulheres no país, então ela não podia encontrar seus ministros, que eram todos homens. Ela tinha que se sentar atrás de uma tela de seda”, explica Jung Chang.
Cixí começou a modernização da China
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Cixí se tornou a governante de fato em um momento em que a China vivia um dilema entre manter seu modo de vida tradicional, isolado do resto do mundo, ou ceder à pressão do Ocidente, que queria ver as portas desse grande mercado abertas.
Quando Tongzhi atingiu a maioridade em 1873, sua mãe deixou oficialmente o poder.
Mas o jovem imperador não duraria muito no trono, morrendo apenas dois anos depois, segundo a versão oficial, de varíola. Outras teorias especulam que ele teria sido vítima de uma sífilis contraída nos bordéis de Pequim. Para os detratores de sua mãe, por sua vez, ele fora envenenado por ela — nunca houve, porém, evidência para apoiar tal acusação.
Como Tongzhi não havia escolhido o herdeiro, Cixí fez isso por ele: escolheu seu sobrinho, Guangxu, filho de sua irmã e do irmão de Xianfeng, e o adotou.
Guangxu tinha apenas três anos e, mais uma vez, Cixí e Ci’an tornaram-se as regentes.
A modernização da China
“Todos os funcionários da corte se curvavam ao trono, que ficava vazio ou [às vezes] era ocupado por seu sobrinho. Mas ela estava atrás da tela ouvindo o que estava acontecendo. Era quem tomava as decisões e todos sabiam disso”, diz Chung ao programa Witness History.
Alguns anos depois, após a morte súbita de Ci’an, em 1881, Cixí ficou sozinha na regência.
Ela avançou a modernização do país, com a introdução da eletricidade e o início da mineração de carvão.
Tongzhi morreu apenas dois anos depois de atingir a maioridade e assumir o poder
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“A modernização começou em 1861, quando ela chegou ao poder”, diz Chang. “Algumas de suas realizações eram conhecidas, mas sempre atribuídas aos homens ao seu redor.”
Durante seu mandato, a economia cresceu e houve esforços para melhorar a educação das meninas e proibir ataduras nos pés.
Ela também teve decisões não tão bem-sucedidas, como a guerra franco-chinesa, em que a imperatriz viúva tentou conter o colonialismo francês no norte do Vietnã. No fim, a China perdeu a guerra e teve de ceder às ambições francesas.
Em 1889, Guangxu atingiu a maioridade e assumiu o poder. Seu reinado não teve muito sucesso, com uma derrota desastrosa contra o Japão na primeira guerra sino-japonesa e uma tentativa fracassada de mudar totalmente o país: a Reforma dos 100 dias.
A reforma foi uma tentativa de adotar princípios do capitalismo, mudar a monarquia absolutista para uma monarquia constitucionalista, industrializar o país e uma série de outras medidas de ocidentalização.
Ela gerou uma forte reação de Cixí e seus partidários conservadores, que retomaram o poder através de outro golpe de Estado. Ela prendeu o filho adotivo pelo resto da vida e começou uma perseguição contra os intelectuais que o haviam apoiado — seis deles foram decapitados.
Erros
Cixí também foi criticada por ter apoiado os “boxers”, movimento contrário à influência do Ocidente no país.
“Ela havia apoiado os boxers por pouco tempo quando as potências ocidentais lhe deram um ultimato e pediram que tornasse ilegal o grupo, que era xenófobo”, explica Chang.
“Ela não podia nem queria ser vista como alguém que simplesmente fazia o que as potências ocidentais lhe diziam, então enfrentava uma possível invasão. Nesse momento, pensou que poderia usar os boxers para combater invasores.”
O resultado foi a Revolta dos Boxers, um episódio em que centenas de estrangeiros e milhares de chineses cristãos foram mortos. A China, derrotada por uma coalizão estrangeira, teve que pagar grandes quantias aos vencedores.
Guangxu, sobrinho de Cixí, foi escolhido como sucessor de Tongzhi aos três anos
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Cixí, no entanto, conseguiu permanecer no poder após publicar um decreto de retratação, no qual assumiu a culpa pelo desastre.
Nos anos seguintes, a imperatriz permitiu a liberdade de imprensa e tentou transformar a China em uma monarquia constitucional.
Ainda assim, suas ações foram controversas até quase o fim de sua vida. Um dia antes de morrer, em 1908, ela ordenou que Guangxu fosse envenenado para impedir que ele voltasse ao poder após sua morte.
“Ela sabia que se morresse e ele continuasse vivo, a China cairia nas mãos do Japão”, diz Chang. “Porque os japoneses tentaram transformar seu filho adotivo em um fantoche, tentaram sequestrá-lo.”
A autora da mais recente biografia de Cixí atribui a má reputação da imperatriz viúva mais a questões políticas do que a suas ações.
“Três anos depois que ela morreu, a China se tornou uma república. As forças políticas subseqüentes que tomaram o poder na China, primeiro os nacionalistas e depois os comunistas, criaram uma narrativa de que eles haviam resgatado a China dela, que ela havia causado um desastre no país, que era uma déspota. [Criaram a ideia de que ela] manteve a China na miséria medieval e que eles começaram a modernização e abriram as portas da China.”
“Não é verdade. Comparada ao regime comunista, que matou mais de 70 milhões de chineses em tempos de paz, seu mandato foi incrivelmente benigno”, diz a biógrafa.
Cixí morreu sem ter preparado ninguém para sucedê-la, nomeando como herdeiro, mais uma vez, uma criança: seu sobrinho-neto de dois anos, Pu Yi.
Pu Yi foi o último imperador da China: com ele, a dinastia Qing terminou apenas três anos após a a morte de Cixí, em 1912, quando ele foi forçado a abdicar pela revolução chinesa.

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