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Ao assinar a trégua na guerra comercial, China e Estados Unidos procuram garantir reservas de mercado e preservar tarifas, em vez de promover o livre-comércio O vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, e presidente dos EUA, Donald Trump, assinam a primeira fase de um acordo comercial
Reuters
A assinatura da primeira fase do acordo comercial entre China e Estados Unidos marca o início de um novo relacionamento entre as duas maiores economias do mundo. De um lado, representa o fim da escalada na guerra comercial que vinha prejudicando ambas. De outro, demonstra que o avanço do protecionismo na economia global parece irreversível.
Enquanto tratados comerciais do passado se preocupavam em estabelecer termos para abrir mercados e promover o livre-comércio, o acordo China-EUA se concentra mais em garantir a reserva de mercado para produtos e setores específicos. Além do movimento protecionista, há um nítido sentido mercantilista na tentativa de incentivar exportações assegurar saldos na balança comercial.
Pelos termos do acordo, os Estados Unidos manterão intactas as tarifas sobre US$ 360 bilhões em produtos importados da China, embora tenham desistido de impor novas tarifas sobre US$ 162 bilhões. Só aceitarão reduzir as tarifas numa segunda fase, sem prazo definido.
Uma análise preliminar do Instituto Peterson para Economia Internacional (PIIE) aponta uma redução de 21% para apenas 19,3% na tarifa média aplicada sobre as importações da China (números sujeitos a revisão). Antes da guerra comercial, em janeiro de 2018, esse patamar era de 3,1%. Mais que isso, 64,5% das importações americanas da China continuarão sujeitas a tarifas.
De seu lado, os chineses também manterão tarifas médias de 21% sobre as importações americanas. A taxação incorrerá sobre 57% do que a China importa dos Estados Unidos. Os chineses se comprometeram, contudo, em importar, até 2021, US$ 200 bilhões em produtos agrícolas, aviões, petróleo, gás e remédios.
A destinação das novas exportações americanas à China foi calculada sob medida para favorecer estados essenciais à reeleição de Donald Trump. Exemplos são o etanol de milho, produzido em Iowa, ou a soja colhida no Michigan (em contrapartida, é quase certo que a China reduzirá as importações da soja brasileira, que têm feito a alegria do nosso agronegócio).
O economista Chad Brown, do PIEE, vê dificuldades para a China cumprir a meta, que representa um salto de 153% sobre as exportações de 2017 (US$ 79 bilhões). Está indefinido o que aconteceria com tais exportações depois de 2021. Também não está claro o efeito dessa intervenção nos mercados das commodities envolvidas. O vice-premiê chinês Liu He, que negociou o acordo, fez uma declaração ambígua sobre o compromisso, que condicionou à “demanda de mercado na China”.
O capítulo mais importante no acordo do ponto de vista estratégico diz respeito à propriedade intelectual. A China se compromete a proteger patentes, em especial farmacêuticas, a evitar a transferência forçada em contratos e a deixar de apoiar companhias interessadas em comprar rivais apenas pela tecnologia. Novamente, é incerto quanto desse compromisso será cumprido. Não há uma instância de vigilância independente para monitorar o acordo, apenas um organismo bilateral.
O acordo não lida com subsídios chineses a setores industriais, nem com crimes digitais, nem com o uso das estatais para promover políticas de domínio em áreas como aço, paineis solares ou telefonia 5G – tudo isso ficou para a fase seguinte.
Os americanos retiraram dos chineses a classificação de “manipulador cambial”, mas o compromisso de evitar desvalorizações para promover exportações e a transparência sobre reservas e intervenções cambiais não diferem do que a China já faz para cumprir com obrigações ao FMI e outros organismos internacionais. É outra promessa sem densidade.
O efeito das tarifas na economia americana continuará a ser diluído pelos consumidores, a um custo estimado entre US$ 500 e US$ 1.700 por domicílio, segundo análise da economista Kadee Russ para o EconoFact. A China parece interessada apenas numa trégua temporária enquanto aguarda o resultado das eleições americanas de novembro. O governo chinês continua a ser um dos maiores credores da dívida pública americana, ligeiramente atrás do Japão.
Nenhum acordo comercial é capaz de negar a realidade: a China é hoje uma economia mais produtiva e gera mais poupança que a americana; os Estados Unidos precisam de capital para financiar seu apetite pelo consumo. Desacoplá-los é mais difícil – e certamente mais doloroso – do que parece olhando apenas a questão comercial e tarifária. O rumo do protecionismo não é promissor para nenhum dos lados. A trégua deveria servir para que se dessem conta disso.
P.S.: Entro em férias amanhã e volto dia 27.

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