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Governo determinado e tecnologia digital ajudaram Taiwan a monitorar fronteiras e reduzir o contágio logo no início, conta segundo post da série sobre o combate ao novo coronavírus Em 31 de janeiro, taiwaneses de máscaras em shopping de Taipé. O governo investiu na produção, tabelou o preço e restringiu as compras para garantir o suprimento a toda a população
Chiang Ying-ying/AP
Para avaliar os riscos de uma doença contagiosa, os cientistas costumam olhar para um número: quantas pessoas, numa população suscetível, contraem o mal de alguém já contaminado? Quando tal indicador, conhecido como “número básico de reprodução”, ou R-zero (R0), é inferior a 1, a epidemia acaba sozinha com o tempo, pois sempre haverá menos infectados no futuro – e os doentes de hoje ou bem serão curados, ou então morrerão. Quanto maior que 1, mais contagiosa a doença – e pior a epidemia.
O R0 varia não apenas de acordo com as características do agente causador da doença – vírus, bactéria, fungo ou qualquer outro –, mas também com os hábitos e condições sociais da população afetada. No caso do Sars-Cov2, o novo coronavírus causador da Covid-19, o R0 foi inicialmente estimado entre 1,4 e 3,9 (dependendo do local), com uma média em torno de 2,3. Não se trata de um vírus tão contagioso quanto o do sarampo (R0 de até 23), mas com capacidade de se espalhar comparável à da gripe espanhola de 1918 ou à do ebola.
Todo combate ao novo coronavírus pode ser resumido à tentativa de reduzir essa capacidade de contágio até que o número de novos infectados por doente caia abaixo de 1 – ou, em termos formais, até que outro indicador conhecido como “número efetivo de reprodução”, ou R, seja menor que 1. É isso que tentam fazer todas as medidas que temos visto surgir na luta contra o vírus: higiene das mãos, restrição a viagens, fechamento de fronteiras, suspensão de atividades, quarentenas, toques de recolher e, naturalmente, pesquisas de drogas e vacinas.
Tomado de assalto pelo novo coronavírus, todos os países se perguntam se tais medidas são eficazes, quais são essenciais e até que ponto pode haver exagero ou leniência na reação das autoridades
Gráfico elaborado pelo cientista Drew Harris e adaptado pelo biólogo Carl Bergstrom mostra como medidas de prevenção podem retardar o contágio da Covid-19 e evitar o colapso do sistema de saúde
Carl Bergstrom e Esther Kim/CC BY 2.0
Grosso modo, quatro tipos de medida vêm sendo adotadas para tentar “achatar a curva” de contágio e evitar o colapso dos hospitais (leia mais aqui). Nem todas estão ao alcance de todos os países. Nem todas têm os mesmos efeitos em condições distintas. Nem todas são recomendáveis. Mas todas devem ser debatidas à exaustão nestes dias em que os contágios se multiplicam no Brasil – e nossas autoridades serão obrigadas a agir. No post de hoje, analiso o primeiro tipo:
1) Rastreamento e isolamento
O melhor jeito de reduzir o contágio é óbvio: tentar impedir qualquer infectado de transmitir a doença (ou forçar que R se aproxime de zero). Para isso, é preciso identificar todo portador da doença com rapidez e isolá-lo imediatamente. Logisticamente, só é viável quando uma epidemia está no início. Mas é a melhor estratégia – e funciona.
Na atual pandemia de Covid-19, três regiões na fronteira da China fizeram isso com diferentes graus de competência e hoje apresentam os menores índices de contágio pelo novo coronavírus: Hong Kong, Cingapura e Taiwan. Os três locais, não por acaso, foram severamente atingidos pela epidemia do coronavírus causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) em 2003 e guardaram um precioso aprendizado da experiência.
O exemplo de Taiwan, detalhado em artigo na revista da Associação Médica Americana (Jama), é o mais enriquecedor. Desde o final de dezembro, quando já havia notícias da epidemia em Wuhan, mas a China ainda não reconhecia a gravidade da epidemia, Taiwan já monitorava voos da região e enviava inspetores para verificar se havia passageiros com febre ou pneumonia.
O governo conseguiu a proeza de integrar a base de dados do sistema nacional de saúde à do controle de fronteiras. Com isso, conhecia o histórico de viagem de todo paciente. No início de fevereiro, quem chegasse a Taiwan recebia um código visual (QR-code) e era obrigado a preencher online um formulário que passaria identificá-lo no sistema de saúde disponível em hospitais, clínicas e farmácias.
Quando não havia risco, um certificado de saúde era emitido e enviado ao celular do viajante. Se era preciso ficar de quarentena, o próprio governo fornecia um celular para monitoramento. A multa por violar a quarentena foi estipulada em até US$ 10 mil. Três turistas de Hong Kong que tentaram escapar foram multados em US$ 2.350 cada.
Já no dia 20 de janeiro, enquanto a China começava a acordar para a ameaça, uma força-tarefa de vários ministérios de Taiwan implementou 124 medidas, entre elas controle de fronteiras, quarentena de casos suspeitos, investimento de US$ 6,6 milhões na produção de suprimentos hospitalares. Ainda em janeiro, oito hospitais já estavam credenciados para fazer testes rápidos.
Dias depois, o governo destinou US$ 2 bilhões para negócios afetados pela epidemia. Para evitar desabastecimento, houve tabelamento e restrições à compra de máscaras protetoras. Desde o início, os cidadãos tinham à disposição um número de telefone para que relatassem sintomas suspeitos. Quando havia risco de contágio num bairro ou edifício, o governo se encarregava de enviar funcionários para testar todos os moradores.
O resultado se vê nos números. Taiwan está a pouco mais de 100 quilômetros da costa chinesa, cerca de 4% de sua população moram na China e outros 2% trabalham lá. Até agora, o país registrou apenas 67 casos da Covid-19 e uma única morte. Usar a tecnologia digital para rastrear e isolar todos aqueles que entram no país funcionou para deter o vírus logo no início da epidemia.
Nem todo país dispõe da experiência ou das condições políticas e tecnológicas para seguir o exemplo taiwanês. Que dizer então de medidas como limitar contatos sociais, suspender aulas e eventos esportivos? Ou atitudes mais radicais, como fechar fronteiras, decretar quarentenas e toques de recolher? Serão temas dos próximos posts.

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