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Mais que uma pandemia devastadora, o que existe é a desorientação nas reações – e a dificuldade de coordenação entre governos para atacar um problema global Carro alegórico de carnaval traz imagem que representa o coronavírus em Duesseldorf, na Alemanha, na segunda-feira (24/11)
Martin Meissner/AP
O primeiro fato a notar sobre o novo coronavírus, Covid-19, detectado esta semana no Brasil, é a dificuldade de conter o contágio. O tempo longo de incubação, estimado em até duas semanas ou mais, e a possibilidade de transmissão por infectados que não apresentam sintomas tornam inviável deter a epidemia por meio de testes, quarentenas, isolamento e do arsenal epidemiológico padrão.
O segundo fato é a letalidade aparentemente baixa. Para quase todos os que contraem a doença, ela não passa de uma gripe que pode até se revelar severa, mas passa. As mortes até o momento estão em torno de 3,4% – índice altíssimo, se comparado ao da gripe (0,1%), mas não o suficiente para justificar o pânico. Também há enorme variação entre países, dependendo da infra-estrutura sanitária.
Os mercados financeiros, cujo comportamento nada tem da racionalidade que lhes atribui a teoria econômica, costumam reagir de modo exagerado, crendo que o planeta todo será posto em quarentena, o comércio global ficará congelado e o mundo entrará em recessão.
Não há como negar o impacto provocado pela epidemia na China, onde a inépcia do governo para conter o vírus no início levou à paralisação da atividade econômica, e só agora começa a haver sinais de uma tímida retomada. Nem a relevância chinesa para todo o planeta. Hoje a China responde por quase 20% da economia global. No tempo da epidemia de Sars, em 2003, eram pouco mais de 8%.
Também é verdade que a economia já estava vulnerável, com sinais de fraqueza na Europa e desaquecimento nos Estados Unidos. Se a Sars serve de exemplo, contudo, o impacto do vírus tende a ser temporário. Na ocasião, houve uma contração em torno de dois pontos percentuais num trimestre, seguida logo depois de recuperação vigorosa. Para vários economistas, será difícil reproduzir tal quadro.
O caso da China mostra que as autoridades não podem ser lentas na reação. Lá, a quarentena de milhões se tornou necessária pela incompetência no início da epidemia, pela censura àqueles que denunciavam os riscos e pela disseminação de informações mentirosas. Foi isso que amplificou o contágio, o impacto econômico e a letalidade.
O vírus não escolhe etnia nem nacionalidade. Não é possível contê-lo fechando fronteiras. Mais que uma epidemia devastadora, contudo, há um cenário de desorientação, provocado em boa parte pela dificuldade das autoridades para lidar com um inimigo insidioso, que não respeita limites entre os países nem tem preferência ideológica.
A sensação de improviso é ainda maior diante da variação extrema entre as respostas: do isolamento de milhões de chineses trancafiados em casa à leniência dos Estados Unidos, onde cortes de verbas e o enceramento de programas de combate a pandemias tornaram praticamente impossível deter a Covid-19. O desdém aparente do presidente Donald Trump também não ajuda.
No Brasil, o Ministério da Saúde tenta, corretamente, evitar o pânico. Antecipou a vacinação contra a gripe e reforçou medidas de vigilância. Não dispõe, contudo, de uma estrutura capaz de testar pacientes em escala nacional, nem mesmo do arcabouço legal para decretar o isolamento de regiões, na hipótese remota de que se torne necessário.
A população continua desorientada. Máscaras cirúrgicas e produtos para desinfetar as mãos sumiram das prateleiras das farmácias. É essencial compreender que, em países com uma rede nacional de saúde centralizada como o Brasil, em especial nos grandes centros urbanos, as taxas de letalidade tendem a ser menores. O maior risco recairá sobre grupos como idosos, diabéticos e pacientes com doenças de coração.
A Covid-19 deverá provocar mortes no país. Qualquer epidemiologista dirá, porém, que mais gente morrerá neste ano de tuberculose, sarampo ou dengue. Cuidados são essenciais para evitar a disseminação do vírus, em especial nos grupos de pessoas que correm maior risco, mas paralisar o país e semear o pânico a esta altura não se justifica.
A pandemia de Covid-19 é, a exemplo das mudanças climáticas, um desafio típico da globalização. Exige ação coordenada de países, governos e empresas. Organizações globais são essenciais para coordenar o combate e disseminar informações.
Mesmo que alguma empresa descubra uma vacina, ela precisará ser testada para garantir segurança e eficácia. Num cenário otimista, levará no mínimo um ano e meio até alguma se revelar viável. Em seguida, apenas governos terão a energia e os recursos necessários para promover as campanhas de proteção à população. O vírus comprova a necessidade da ação do Estado e de organismos globais – e demonstra de modo cruel o limite de certas visões ideológicas para lidar com os problemas contemporâneos.

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