[ad_1]


A rota interoceânica construída pelos Estados Unidos e entregue aos panamenhos em 1999 serve de passagem para 6% do comércio mundial. Embarcações são vistas no Canal do Panamá nesta terça-feira (31)
Eric Batista/AP
Desde que os Estados Unidos passaram o para as mãos dos panamenhos no dia 31 de dezembro de 1999, a rota interoceânica por onde passa 6% do comércio mundial se tornou uma fonte gigantesca de riqueza.
Até o final do ano fiscal de 2019, um recorde de 450 milhões de toneladas de carga circulou pelo canal. Sua receita anual alcançou US$ 3,3 bilhões (R$ 13,3 bilhões), o nível mais alto desde a sua inauguração há mais de um século, segundo a Autoridade do Canal do Panamá.
A Constituição do país estabelece que essa empresa pública deve transferir seus excedentes econômicos para os cofres fiscais, depois de cobrir os custos de operação, investimento, operação, manutenção, modernização, expansão e as reservas necessárias para contingências, previstas em lei.
Então, quanto o tesouro panamenho recebeu no período fiscal de 2019? US$ 1,7 bilhão (ou cerca de R$ 7,2 bilhões), o que é uma contribuição nada desprezível para o país da América Central, cujo PIB (Produto Interno Bruto, a soma de todos os bens e serviços) é de US$ 62 bilhões.
De fato, nas últimas duas décadas, o Estado alcançou um total superior a US$ 16 bilhões (R$ 67,7 bilhões). Não há dúvida de que o canal é um bom negócio, embora alguns analistas estejam se perguntando por que não chegam mais recursos para o tesouro e por que eles não são distribuídos de maneira mais uniforme entre os panamenhos.
Mudanças climáticas ameaçam Canal do Panamá
Quais países se beneficiam do canal?
Construído pelos Estados Unidos entre 1903 e 1914 e transferido para o Panamá há 20 anos, o canal conecta mais de 140 rotas marítimas e 1.700 portos em 160 países.
As grandes companhias marítimas o utilizam para transportar sua carga mais rapidamente, diminuindo a distância entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
De fato, entre seus clientes estão as maiores empresas de transporte de mercadorias do mundo, como a Companhia Sulamericana de Vapor, CMA CGM, China Ocean Shipping, American President Line, Hamburg-Sud ou Maersk, entre uma longa lista de conglomerados comerciais.
Todas pagam milhares de dólares para seus gigantescos navios porta-contêineres usarem a passagem marítima, por onde também passam navios com gás natural liquefeito (GNL), um produto que os Estados Unidos enviam regularmente aos mercados asiáticos.
Além do Panamá, “os países que mais se beneficiaram do canal são os Estados Unidos e a China”, diz o economista Marco Fernández, da GlobalSource Partners, à BBC Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
“O Canal do Panamá é uma conexão na cadeia logística internacional e um meio de transporte relativamente barato” comparado ao que seria o custo do uso de outras rotas marítimas.
Assim, segundo Fernández, a estratégia comercial do canal tem sido “obter o maior excedente financeiro possível para pagar seus custos diretos, criar as reservas necessárias e transferir os lucros para o governo central”.
Como o negócio é tratado?
“A empresa privada não investe no Canal do Panamá”, informou a Autoridade do Canal do Panamá (ACP), a entidade fiscal que a administra, à BBC Mundo por e-mail.
Desde que o quadro jurídico foi criado em 1997 e “devido à sua importância e natureza, o ACP goza de autonomia financeira, seus próprios ativos e o direito de administrá-lo”.
Nesse sentido, opera como uma empresa estatal autônoma.
E, dependendo das circunstâncias, explica a nota, “você pode contratar serviços para projetos, como foi o caso da expansão do canal, por exemplo”, que incorporou um terceiro conjunto de bloqueios para permitir mais tráfego marítimo e ficou encarregado de um consórcio liderado pela empresa espanhola Sacyr.
“O Cingapura da América Latina”
Michael Conniff, professor da Universidade Estadual de San José (Califórnia) e coautor do livro Modern Panama: From Occupation to Crossroads of the Americas (“Panamá Moderno: Da ocupação a centro das Américas”, em tradução livre), publicado em 2018, estudou por anos o assunto.
Desde que o canal voltou às mãos do Panamá duas décadas atrás, “o governo e as empresas cujas atividades foram vinculadas ao canal se beneficiaram”, diz Conniff à BBC Mundo.
“Os panamenhos usaram o canal para gerar mais negócios que impulsionaram o desenvolvimento do país”.
Nesse sentido, ele explica, “não é um país que apenas move embarcações de um oceano para outro”, uma vez que se tornou a sede de empresas internacionais e impulsionou negócios como transporte, manufatura, serviços ou o setor bancário.
“É por isso que os panamenhos o chamam de Cingapura da América Latina”, diz ele.
Embarcações são vistas no Canal do Panamá nesta terça (31)
Eric Batista/AP
A recuperação após a transferência
Gene Bigler, coautor do livro, explica que, nos anos 1990, quando o canal estava nas mãos dos Estados Unidos, apenas 200 contêineres passavam por ele por ano. Atualmente, são cerca de 13 milhões.
“Os Estados Unidos não o modernizaram, não investiram no canal”.
“Agora é um centro internacional de logística”, diz ele, acrescentando que “a transferência do controle do canal para o Panamá beneficiou a economia global”.
Segundo Noel Maurer, coautor de The Big Ditch (“A Grande Vala”) sobre a história política e econômica do Canal do Panamá, essa realidade tem duas faces.
“Os lucros diretos foram para os cofres do Panamá, que, apesar da contínua corrupção, financiaram uma melhoria impressionante na infraestrutura do país”, diz Mundo Maurer, professor da Universidade George Washington, nos Estados Unidos.
“O problema é que não houve melhorias equivalentes no sistema educacional ou nas áreas rurais”, enfatiza.
E esse é um dos grandes desafios do Panamá.
A dívida social panamenha
Carlos Garcimartín, economista-chefe da representação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Panamá e um dos autores do recente estudo “BIDeconomics Panamá”, confirma à BBC Mundo como, apesar dos avanços, existem setores da população do país que estão em desvantagem.
Embora o Panamá tenha registrado uma das maiores taxas de crescimento do mundo nos últimos 15 anos e se tenha tornado, juntamente com o Chile, o país com a maior renda per capita da América Latina, “esse sucesso econômico não se traduz nas melhorias sociais que poderiam ser alcançadas”, diz ele.
De fato, a desigualdade é o calcanhar de Aquiles do país.
“O Panamá continua sendo um dos países mais desiguais da América Latina e do mundo”, diz Garcimartín.
A questão é preocupante já que, desde 2005, o Índice Gini (índice internacional que mede a desigualdade de renda) diminuiu muito pouco no Panamá em relação ao seu crescimento econômico.
“Para cada ponto de crescimento econômico, a desigualdade é reduzida a uma taxa duas vezes e meia menor em comparação com o restante da América Latina”, diz o economista.
E, entre todas as camadas da população, as comunidades indígenas são as que menos viram os benefícios econômicos do país, concentrados nas elites.
Não é por acaso que o Panamá, considerado a “estrela do crescimento latino-americano”, tem um nível de pobreza superior a 22%, segundo dados do Banco Mundial.
No entanto, em algumas comunidades indígenas, a pobreza é até quatro vezes maior que a média geral do país.
O desafio do canal
Uma análise semelhante faz Michael Conniff sobre os desafios que o canal tem para contribuir para o bem-estar do país.
“Há um desafio que é mais político: os benefícios econômicos do canal não atingiram os setores mais pobres”, afirmou ele.
Isso se deve, diz o pesquisador americano, a uma má distribuição de renda e ao trabalho pouco eficiente de diferentes governos a esse respeito.
“Chegará o dia em que os panamenhos se rebelarão contra a maneira como os governos administram o canal”, prevê ele.
No momento, o que está claro é que a mina de ouro do Canal do Panamá continua a gerar milhões em lucro. E as projeções indicam que a demanda comercial continuará crescendo.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui