[ad_1]


No meio da indefinição e do caos democrata, o presidente americano mantém sua estratégia conhecida e usa o discurso do Estado da União para lançar a campanha eleitoral Enquanto Donald Trump é aplaudido pelo vie, Mike Pence,, a presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, rasga papel com trechos do discurso
Jonathan Ernst/Reuters
Na véspera de ser absolvido pelo Senado no processo de impeachment, Donald Trump foi ao Congresso ontem à noite proferir seu terceiro discurso do Estado da União, tradicional prestação de contas do Executivo ao Legislativo. Não mencionou a palavra “impeachment” e, como esperado, transformou o evento na primeira manifestação de sua campanha pela reeleição.
“Em apenas três anos, destroçamos a mentalidade do declínio americano e rejeitamos o encolhimento do destino dos Estados Unidos”, afirmou. “Estamos andando adiante numa velocidade inimaginável pouco há tempo, e não vamos nunca, nunca voltar atrás.”
Trump repetiu os números favoráveis na economia, vangloriou-se do novo acordo comercial com o México, das vitórias militares no Oriente Médio, dos assassinatos do líder do Estado Islâmico e do segundo homem mais poderoso do Irã. Criticou o governo Barack Obama, atacou o socialismo e declarou textualmente: “O estado de nossa união está mais forte do que nunca”.
De todas as informações incorretas ou exageradas em seu discurso, foi a mais absurda. O estado da desunião americana e o clima de ódio partidário que racha o país ao meio ficaram evidentes em dois gestos. No início, logo depois de lhe entregar uma cópia do discurso, Trump se recusou a apertar a mão estendida da presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, artífice do impeachment contra ele. No final, Pelosi rasgou as páginas com o texto recebido de Trump.
Entre os dois gestos, Trump fez ataques às propostas democratas em todas as áreas, em especial à saúde pública universal, associada ao socialismo, apesar de adotada em países capitalistas como França, Reino Unido o Brasil. A proposta é defendida pelos pré-candidatos democratas Bernie Sanders, que se define como “socialista democrático”.
Para enfatizar o ponto contra o socialismo, Trump reservou um lugar de honra na plateia ao venezuelano Juan Guaidó, presidente interino que ainda desafia, sem muito sucesso, a tirania do ditador Nicolás Maduro.
No meio do discurso, condecorou uma das nêmesis da esqueda americana, o radialista Rush Limbaugh, um dos principais responsáveis pela radicalização do discurso nos meios de comunicação e primeira semente da bolha que resultou na onda de propaganda da extrema-direita. Recentemente diagnosticado com câncer avançado de pulmão, Limbaugh recebeu a medalha de honra da primeira-dama, Melania, ao lado de quem se sentou.
Proferido em meio ao caos eleitoral em que os democratas se meteram em Iowa (leia mais aqui) e um dia antes do julgamento que Trump considera uma farsa e chama de “caça-às-bruxas”, o discurso vale menos pelo conteúdo o que pelo que representa: a reafirmação de seu desejo de continuar no poder e de seu estilo de governo.
É um estilo caótico, voltado exclusivamente para seu interesse pessoal e para as obsessões de seu público mais fiel. Paradoxalmente, o discurso de ontem trouxe de volta uma sensação de ordem e retorno às expectativas, em meio à confusão e à desorientação dos democratas.
A esta altura, já ficou claro que, eleitoralmente, o impeachment foi um tiro n’água para eles. Verdade que o processo na Câmara expôs as contradições de Trump e deixou claro como ele usou o cargo para benefício próprio, ao reter ajuda à Ucrânia até que fosse anunciada uma investigação contra seu rival, o pré-candidato democrata Joe Biden.
Mas o Senado, controlado pelos republicanos, se recusou até mesmo a ouvir testemunhas. O ex-conselheiro de segurança nacional John Bolton confirmou as acusações num livro que a Casa Branca fez questão de censurar. Em vez de conferir ao caso ao menos uma aparência de isenção, os senadores republicanos o trataram como questão puramente política e demonstraram lealdade absoluta ao presidente.
Durante o processo, a popularidade de Trump nem se abalou. Ao contrário, até subiu um pouco. Mantém-se num patamar baixo, mas suficiente para lhe garantir uma chance razoável de reeleição. Enquanto isso, os democratas se digladiam numa pré-campanha em que nem sequer conseguem fazer funcionar o aplicativo que deveria acelerar a apuração das prévias em Iowa.
Uma ala do partido, representada nas candidaturas de Sanders ou Elizabeth Warren, defende propostas de esquerda como o programa de saúde universal, o perdão às dívidas estudantis ou a regulação mais dura de instituições financeiras e empresas digitais. A outra, reunida em torno de Biden, Pete Buttigieg ou Amy Klobuchar, adota um tom mais moderado, na tentativa de trazer de volta ao partido o eleitor que abandonou o partido para votar em Trump.
Entre os dois polos, no meio da confusão partidária, ninguém é ainda capaz de definir o rosto, as ideias ou o programa do candidato que enfrentará Trump em novembro. Trump, em contrapartida, se tornou a quantidade conhecida. Aquele que discursou ontem repete as mesmas ideias desde 2015 e, com elas, caminha para a reeleição com uma estratégia clara e definida, sem dar o menor sinal de olhar para trás.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui