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Os protestos demonstram o racha na sociedade iraniana. Sem ajuda externa, porém, é remota a chance de que a teocracia que governa o país há 40 anos seja deposta Imagem da vigília em Teerã no dia 11 de janeiro de 2020, em memória dos mortos no avião ucraniano abatido por militares iranianos
Ebrahim Noroozi/AP Photo
O Irã enfrenta dificuldades para conter os protestos que tomaram conta das ruas do país depois que o governo admitiu ter derrubado – por “erro humano” – o avião da Ukraine que levava 176 tripulantes e passageiros na semana passada. Nem os pedidos de desculpas e a contrição das autoridades – um militar disse que “preferia estar morto” –, nem as balas de borracha disparadas contra multidões de jovens e estudantes têm conseguido deter a mobilização pela queda do regime dos aiatolás.
O governo americano manifestou apoio aos protestos. Tanto o presidente Donald Trump quanto o secretário de Estado, Mike Pompeo, tuitaram mensagens de encorajamento àqueles que foram às ruas, ao mesmo tempo que endureceram as sanções econômicas responsáveis pelo sofrimento de boa parte da população. O ex-assessor de segurança nacional John Bolton, conhecido “falcão” favorável à intervenção na região, afirmou que “a mudança de regime está no ar”.
Será que Bolton está certo e, desta vez, os protestos conseguirão aquilo que não deu certo em 2009: derrubar e teocracia e tirar do poder o aiatolá Ali Khamenei e seus acólitos da Guarda Revolucionária? Ou será que, mais uma vez, o regime iraniano sobreviverá à pressão externa e interna, escorado na censura, na repressão brutal e na estrutura de poder mantida há 40 anos?
Não há dúvida de que se trata de um momento de fraqueza para Khamenei. Não apenas pela perda de seu principal estrategista, o general Qassem Soleimani, morto pelo ataque americano no início do mês. Mas sobretudo porque a derrubada do avião lhe custa credibilidade e simpatia, tanto dentro quanto fora do país.
Internamente, a tragédia fez eclodir uma onda de vigílias e manifestações que partiram das universidades para as ruas. O clima de luto nacional de que Khamenei tentou revestir a morte de Soleimani cedeu lugar à frustração e à revolta, que já tomavam conta do Irã no ano passado em virtude da situação econômica. Os protestos desfazem a ilusão da “unidade nacional” iraniana e mostram que parte significativa do país sentia mais ódio por Soleimani que pelos Estados Unidos.
A economia iraniana está em frangalhos em virtude da incapacidade do regime para compensar as sanções impostas pelos americanos. As novas sanções secarão, na prática, os recursos obtidos com a exportação de petróleo. Países europeus como França, Alemanha e Reino Unido, co-signatários do acordo nuclear rompido pelos Estados Unidos, têm interesse em manter o fluxo do óleo iraniano e poderiam servir de ponte para aliviar as sanções americanas.
Mas não há incentivo algum para que isso ocorra depois dos protestos de rua, em que até mesmo o embaixador britânico foi detido (por outro “erro humano”). Por ora, os europeus se manterão no acordo nuclear. Mas é só. Os esforços diplomáticos que já estavam em andamento para desanuviar a tensão com os americanos terão de aguardar o desfecho da revolta popular no Irã.
Das outras vezes que protestos tomaram conta das ruas do país, a repressão brutal acabou por sufocá-los. Milhares já morreram nas prisões controladas pela Guarda Revolucionária, leal a Khamenei. A expectativa agora é que a vingança pela morte de Soleimani se volte também contra aqueles iranianos que a celebram.
Sem apoio externo – e, a esta altura, pode-se apenas especular de onde ele viria –, o lado mais forte tem mais chance de vencer o embate. Mesmo enfraquecido pelas sanções, o regime dos aiatolás está de pé, conta com apoio em setores expressivos da sociedade iraniana e mantém controle tanto sobre o Exército regular quanto sobre a Guarda Revolucionária (hoje bem mais próximos do que já foram no passado).
As sanções, impostas para exercer a “pressão máxima” com que Trump pretende forçar a queda de Khamenei, tornarão a situação econômica ainda mais crítica. Bolton, como já fez em várias ocasiões, continuará a falar em “mudança de regime”. Mas é impossível que Khamenei saia do poder sem guerra ou revolução. Estará Trump disposto a arcar com o custo de outra intervenção no Oriente Médio? Eis a questão inescapável desde que ele decidiu sair do acordo nuclear. Até agora, a resposta tem sido não. Em consequência, em que pesem as exortações, é remota a chance de fim do regime dos aiatolás.

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