[ad_1]


Em vez de contribuir para a saída do Oriente Médio, o ataque que matou o segundo homem mais poderoso do Irã afundará os americanos ainda mais na região Em foto de 2016, Qassem Soleimani, chefe da Guarda Revolucionária Iraniana, participa de um reunião em Terrã, no Irã
Office of the Iranian Supreme Leader via AP, Arquivo
O ataque americano que matou o general iraniano Qassem Soleimani nesta madrugada prenuncia uma escalada de desfecho imprevisível no Golfo Pérsico. Embora uma guerra aberta entre Irã e Estados Unidos não interesse a nenhum dos lados, a importância de Soleimani para o regime dos aiatolás torna impraticável qualquer esforço diplomático, pelo menos no curto prazo. Em consequência, o mais provável é que os americanos afundem ainda mais no atoleiro de onde o presidente Donald Trump tenta sair desde o início do mandato.
Soleimani já foi descrito por agentes americanos como o “mais poderoso operador” no Oriente Médio. Era o segundo homem mais poderoso do Irã depois do aiatolá Ali Khamenei – mais que o presidente Hassan Rohani. Líder há 20 anos da Força Al-Quds (a brigada mais influente da Guarda Revolucionária, uma espécie de poder paralelo no Irã), foi o artífice de todas as ações de inteligência e operações militares fora do país, em particular na Guerra da Síria.
Esteve por trás do apoio ao ditador Bashar Assad, da aliança que trouxe a Rússia para o território sírio, do combate às forças sunitas rebeldes, à al-Qaeda e ao Estado Islâmico. Também comandava no Iraque uma guerra de atrito contra os americanos, por meio de milícias xiitas reunidas nas Forças de Mobilização Popular (FMP).
As FMP se envolveram nos protestos de rua contra a corrupção e a situação econômica que tumultuam o país desde outubro e derrubaram o primeiro-ministro Adel Abdul-Mahdi no início do mês passado. Elas também cercaram a embaixada americana depois do ataque que matou pelo menos 25 de seus integrantes no dia 29 (retaliação ao lançamento de foguetes que matou um americano em Kirkuk no último dia 27).
As digitais de Soleimani eram evidentes na operação. Provocado, Trump resolveu retaliar a afronta. Soleimani era um alvo antigo. Já orquestrara ataques na Tailândia, Índia, Quênia e Nigéria. Em 2011, contratou um cartel de drogas mexicano para promover um atentado em Washington, contra o embaixador saudita nos Estados Unidos. A operação deu errado por azar, pois o traficante era informante do governo americano.
Os inimigos de Soleimani tinham por ele um misto de ódio e admiração. Num perfil publicado em 2013 na New Yorker, o jornalista Dexter Filkins o compara a Karla, o super-espião soviético que comandava o sofisticado jogo de espelhos por detrás da Cortina de Ferro nos romances de John Le Carré. Por mais que fosse detestado, Soleimani também era visto como extremamente competente – e foi um aliado essencial no combate ao Estado Islâmico. Mais que ninguém, ele soube se aproveitar dos erros americanos para ampliar o poder iraniano na região.
Desde a invasão que derrubou o regime ditatorial de Saddam Hussein em 2003, sob o pretexto de destruir um inexistente arsenal de armas químicas, falta aos Estados Unidos uma estratégia consistente para o Iraque. Diante da hesitação e da dificuldade para criar um governo estável autônomo no país, a retirada das tropas americanas em 2011 criou o vácuo que permitiu a irrupção do Estado Islâmico. O conflito entre diversas forças locais na Síria e no Iraque permitiu a ascensão do Irã como potência hegemônica na região.
Sem muito sucesso na tentativa de estabilizar o Iraque, o governo Barack Obama tentou conter as ambições nucleares dos aiatolás. Trump herdou um atoleiro do qual sempre quis sair, sem nunca conseguir.
Suas atitudes erráticas continuam a revelar falta de estratégia. Adotou a linha-dura no lugar do apaziguamento e rompeu o acordo nuclear. Mas é incapaz de garantir a presença militar necessária para fazer jus à pressão contra os iranianos. Retirou as tropas da Síria abrindo terreno para a Turquia ampliar sua influência. Fora a presença russa, a China também já estabelece bases no Oriente Médio.
No Iraque, Trump viu-se obrigado a apoiar um governo atingido por escândalos de corrupção, sem força para contrabalançar a influência iraniana. Não pode sair, tamanha a importância estratégica do país, tanto como base para combater o extremismo quanto como garantia no fluxo de petróleo para a economia global. A morte de Soleimani não resolverá nenhum dos dois problemas.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui